O amor não termina, o amor é abandonado.
Deixa-se de cuidar dele, de alentá-lo, de provocá-lo.
É largado de lado, como uma bicicleta que perde o fio luminoso das correias.
A bicicleta continua na mesma garagem, mas há preguiça de consertá-la.
Qualquer um vive sem a bicicleta, recorre ao carro, ao ônibus, ao trem, às próprias pernas. Mas não existe como apagar a sensação dos cabelos voando para trás em uma lomba, a vertigem da alegria.
O amor é insubstituível, ainda assim é possível fingir que ele não existe.
Ninguém deixa de amar, e me arrisco ao fazer essa afirmação.
Deixa-se, entretanto, de alimentar o amor.
O corpo se condiciona a jejuar.
O corpo aceita o que damos a ele.
O corpo é um indigente. Acostuma-se a receber esmolas quando poderia trabalhar para se sustentar.
É um faz-de-conta.
Mais fácil acreditar que acabou o amor do que resolvê-lo, do que arriscar as aparências.
As pessoas, muitas vezes, se preocupam em dizer que estão felizes, em provar que estão felizes, do que em aceitar a espontaneidade das relações.
Os erros espontâneos das relações.
As virtudes espontâneas das relações.
O amor não depende de provas.
Ele é invisível, pede somente que sejamos visíveis por ele.
Quando é amor (e não atração ou carência) não há como enterrar.
Ele fica pairando sobre as fotografias, os costumes, os nomes das coisas e dos lugares, pronto para falar.
Amor verdadeiro manda na gente. Por isso, não se explica o fim dele.
Quem ama pode até se enganar para continuar vivendo, mas viverá recalcado e confuso.
O amor não depende do que é certo ou errado, do que é normal ou direito, escapa ileso do julgamento.
Ele permanecerá dentro, com a argola pronta para ser puxada.
Ainda que seja uma granada ou uma aliança.
O amor é a linguagem que se criou para nomear o mundo.
Como fugir da linguagem fundada por dois amantes em segredo?
O amor não precisa morrer para se reencarnar.
Conheço casais que viveram separados por anos e, sempre que se encontram, tremem de susto por um beijo ou uma aproximação.
Vão viver à espera de uma coincidência. Que triste, né?
O amor não renasce, nós que renascemos para ele.
Vive-se para se proteger do amor, a verdade é esta, dura e particularmente impessoal.
Somos educados a reprimir o amor, a não deixar que ele entre, porque ele incomoda e desarticula.
Somos educados a dizer não às verdades, a deixar para depois, a pensar primeiro na estabilidade financeira.
Não esqueço uma lição da minha avó. Ela lia os obituários do jornal. A primeira seção que consultava. Observava com atenção a história e as fotografias dos falecidos para encontrar semelhanças com a sua.
Um dia perguntei porque ela fazia isso. Respondeu:
"para ficar com medo da morte ao invés de ficar todo o tempo com medo da vida".
Fabrício Carpinejar
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