terça-feira, 22 de setembro de 2009

Contando um conto

Numa fria manhã de julho, Milton acorda cedo para trabalhar,como fazia em todas as
outras frias manhãs de julho em que detestava ter que levantar da cama.
Saiu de casa com a chave do táxi pendurada no bolso, e chegando no carro, ligou logo o rádio pra ver onde precisavam dele. Queria trabalhar muito aquela semana, tinha feito muito esbanjo, e precisava compensar para poder sair com os filhos no final de semana.
Ligou no am, e foi dirigindo rápido para o ponto, conversando alto com o locutor do
rádio, que vinha avisando: Em porto alegre, fazem 9°C essa manhã.
“Que frio!” disse Milton com raiva, puxando mais pra cima a manta em volta do pescoço.
Desde que acordara, até aquele momento, quando chegava no ponto de táxi para esperar algum cliente, muitos problemas haviam passado em sua cabeça.
Pensava nas multas que tinha que pagar das tantas vezes que tinha cometido pequenas infrações, “Cobranças sem sentido”, dizia ele, já que nada fora tão perigoso assim,
“Apenas umas passadinhas no sinal vermelho”. Alguns pardais já o tinham pego, e ele estava de fato a ponto de perder a carteira de motorista.
Estava preocupado também com as mobilizações que vinham ocorrendo na cidade em relação ao prefeito, que mais uma vez ia aumentar a passagem de ônibus. “Ainda bem”, dizia ele, que sabia que o fluxo de pessoas que pegavam táxi hoje era bem menor que
algumas décadas atrás. A qualidade dos ônibus dificultava seu trabalho.
Preocupações em relação a sua família, sua ex esposa que estava sempre lhe pedindo
mais dinheiro, e ele não entendia como podia acabar tão rápido... “Essas crianças devem estar comendo manteiga de ouro”, dizia.
Andava pensando em como arrumar um outro trabalho, algo que ajudasse a
complementar a renda mensal, mas já se achava muito velho pra ter chefe, e não queria ter que dar satisfações á ninguém.
Alguém bateu no vidro, e uma moça entrou pela porta do carona, e sorrindo disse que gostaria de ir até a prefeitura.
De lá até o fim do dia não conseguiu muitos passageiros, apenas o suficiente para
almoçar uns três dias.
Ao voltar pra casa Milton era um poço de preocupações. Não poderia ajudar os filhos sem dinheiro, não se sentia feliz com sua vida, e já não era um homem jovem, com
todas as oportunidades pela frente.
Ao encostar o carro na garagem, a moça do rádio anunciava algumas chamadas das
manchetes do jornal do outro dia: “Pela primeira vez em quase 20 anos da história de
Porto Alegre, Prefeito não assina aumento das passagens, e o valor cai á 1,30.”

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