Imagine-se sentado numa carteira de escola, aguardando para fazer um concurso que foi comentado o ano inteiro como essencial no seu futuro. Para alguns, essa prova era apenas um passo necessário para chegar a uma vaga certa. Para outros, uma tentativa. Para alguns ainda, um misto de novidade, nervosismo e incerteza. Em qualquer das situações, é difícil imaginar o que se passou na cabeça dos quase 5 milhões de jovens que se depararam com os absurdos erros identificados no Enem deste ano.
É necessário precisar que falo no ano de 2010, já que no ano de 2009 o erro foi outro. A pergunta que não quer calar é: Será que o MEC não percebe o tamanho da palhaçada? Depois de conturbadas modificações em 2009, que fizeram com que diversas mudanças no exame fossem realizadas às pressas, em 2010 nos deparamos com erros grotescos.
Voltemos à nossa cena imaginada: já preocupada com o tempo escasso, eis que a pessoa vira uma página do caderno de questões e... cadê as questões? Página em branco. Ou então, ao passar as questões para o gabarito, percebe que o cartão resposta não confere com o caderno de questões. Já exasperado, o candidato provavelmente deve perguntar algo ao fiscal. O fiscal, deve ter transmitido a mesma preocupação ao seu coordenador. Imagino que os coordenadores devam ter procurados seus respectivos superiores. Fico só imaginando a quantidade de telefonemas que foram feitos para Brasília neste dia.
Diz o Presidente do INEP (órgão do MEC responsável pelo Enem) que houve uma orientação para todos os coordenadores estaduais, que teriam transmitido a informação num efeito cascata, indicarem a observação rigorosa da ordem do caderno de questões (aquele que estava na ordem diferente do cartão-resposta). Pense, nesse Brasilzão enorme de meu Deus, na possibilidade de ocorrer o famoso “telefone sem fio”. E se um fiscal desavisado orientasse o cidadão a rasurar o cartão-resposta? Ou seguir a ordem dele? Ou simplesmente não falasse nada? Todas estas situações, e outras mais, foram relatadas pela imprensa neste fim de semana. Com todas estas dúvidas na cabeça, você faria esta prova com tranquilidade?
Após o primeiro dia de prova, o Senhor Presidente do INEP disse em coletiva de imprensa que nenhum candidato seria prejudicado, e que não haveria “a menor razão para anular a prova, uma vez que esta transcorreu em tranqüilidade”. Ao ser questionado diversas vezes sobre a falta de organização, ou responsabilidades sobre os erros, afirmou insistentemente que a solução era que o MEC iria abrir um “ambiente virtual” em que os estudantes poderiam fazer um “requerimento” para que suas provas pudessem ser corrigidas de maneira “diferente”. Difícil vai ser apurar o que foi que saiu igual e o que saiu diferente, sendo que a orientação sobre preenchimento de gabaritos pode não ter atingido seu destino a tempo.
O que é mais intrigante disto tudo é como pode, depois de toda a polêmica de 2009, em que as provas foram roubadas do cofre do Ministério da Educação sob os narizes de todos, ocorrer um erro deste mote? O mínimo que se pode pensar é que o Ministério da Educação está menos se importando com a lisura e segurança de um processo seletivo nacional do que com a sua propaganda. Que bonito seria anunciar que o Enem de 2010 ocorreu sem problemas, com milhões de estudantes ocupando as vagas disponibilizadas. Entretanto este objetivo só pode ser cumprido se requisitos mínimos forem cumpridos. Um deles, que é básico, é que alguém cheque se o enunciado das questões confere com o do gabarito. E olhe que isso não requer prática nem sequer habilidade. Só um pouco de vergonha na cara.
Tenho certeza que a mesma desatenção não ocorre com as milionárias movimentações financeiras que se dão diariamente no mercado de ações, com os títulos do Governo Federal. Afinal de contas, ali há muito em jogo. Aqui, só vidas. Só educação.
Essa prova mexe com a vida de muita gente. Tem muito jovem que acreditava que poderia conseguir alguma vaga em uma universidade com esta prova. Tem outros que tinham isso como uma certeza - esses provavelmente ficam mais exaltados. Tem gente que foi lá pra conhecer como é talvez voltarem mais preparados no ano que vem. Mas para todos esses fica a sensação de que o MEC não está nem aí para eles. O que vem daí pra frente é daqueles remendos que pioram: ou vamos ter uma nova prova para todos, ou teremos uma nova prova para alguns, ou fica como está. Das três, não sei qual é a menos legítima. Escolha difícil.
E como se não bastasse, o MEC ainda vem postar ameaças no Twitter que está “monitorando” as pessoas que legitimamente se manifestaram dizendo que moveriam ações na justiça pela ilegitimidade da prova. Que papelão.
Em tempo: Este ano o Enem foi elaborado pelo conveio Cespe/Cesgranrio. A Cespe (Centro de Seleção e Promoção de Eventos) é um órgão da Fundação Universidade de Brasília, e foi presidida por ninguém menos do que José Joaquim Soares Neto, o atual presidente do INEP. O Senhor Soares Neto inclusive assumiu o cargo em virtude da saída do presidente anterior, em decorrência da fraude de 2009. Suas palavras no dia em que assumiu o cargo foram: “Não tenho dúvidas de que todos voltarão a confiar na aplicação do Enem, é uma prova que tem importância fundamental na educação superior do país”. E agora, José?
Maíra Tavares Mendes (Professora da Rede Municipal de São Paulo, Mestranda em Educação pela UFRGS e Coordenadora do Cursinho Popular Salvador Allende/Rede Emancipa)
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