A tentativa de flexibilização da legislação ambiental dará a estados e municípios uma autonomia que trabalha a favor do agronegócio do país.
O projeto do novo Código Florestal, se aprovado, significará um brutal retrocesso na proteção do meio ambiente e da biodiversidade.
Basta olhar para o resultado da ocupação irregular das áreas de preservação permanente (APPs) nas tragédias no Rio de Janeiro para ter a dimensão da irresponsabilidade de reduzir tais áreas, como defende o relatório de Aldo Rebelo.
O projeto também sobrepõe as APPs à reserva legal, porção de terra de mata nativa, ignorando que cada uma cumpre funções específicas, que valorizam a propriedade.
Segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sua preservação possibilitaria inclusive aumento na produtividade agrícola. Nas plantações de soja, a produção poderia ser até 50% maior com a ajuda da polinização.
As propriedades rurais de até quatro módulos fiscais -90% dos imóveis rurais do Brasil- também ficam desobrigadas de recompor a área de reserva legal, aumentando o desmatamento em até 70 milhões de hectares. O impacto é altamente negativo, sobretudo para o efeito estufa, cuja redução está entre os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Para os ruralistas, ampliar a competição internacional justificaria a ocupação de todas essas áreas.
Inúmeras pesquisas demonstram, no entanto, que, sem ferir a legislação e as florestas, há terras e técnicas de produtividade suficientes para elevar a produção.
Na votação do relatório na comissão especial, todas as entidades representantes da pequena propriedade e da agricultura familiar se posicionaram contra as mudanças. Sabem que o grande agronegócio exportador é o maior interessado na alteração do Código Florestal e que, na realidade, os grandes proprietários se arrogam a falar em nome dos pequenos.
O texto reformulado também anistia os desmatadores que cometeram infrações até julho de 2008.
Argumenta-se que 90% das propriedades estão irregulares, mas há uma questão pedagógica em jogo.
Desde 1999, está em vigor a Lei de Crimes Ambientais, e a legislação já concede o prazo de 30 anos para uma propriedade recuperar o que devastou. O constante desrespeito ao Código vigente se dá pela certeza da impunidade.
O Estado deveria, ao contrário, estimular a recomposição das áreas e recompensar a preservação com o pagamento de serviços ambientais à agricultura familiar.
A tentativa de flexibilização da legislação ambiental nacional dará ainda a Estados e municípios uma superautonomia, que trabalha a favor do agronegócio e da especulação imobiliária nas cidades.
A questão é complexa e merece ser melhor analisada, como pediram o Ministério Público, a OAB e a SBPC. A tramitação açodada do texto, à luz da pressão de interesses imediatistas, significa negar o direito à participação da população em uma discussão que interessa a todos e que pode comprometer o futuro de inúmeras gerações.
Ivan Valente, engenheiro mecânico, é deputado federal pelo PSol-SP e membro da Frente Parlamentar Ambientalista; foi relator na Câmara de Negociação do Código Florestal.
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